Para aqueles que acreditam que tudo pode ser dito 'em nome de Jesus' e ficarem impunes, a reportagem abaixo mostra as consequências para religiosos que usam a Bíblia como espada e escudo em seus julgamentos e decisões arbitrárias
Andrea Senatore se especializou em processos por danos morais contra as igrejas
A advogada Andrea Senatore Grillo guarda na mesa de seu escritório, em São Paulo, uma pequena pilha de processos antigos de fiéis desapontados que contestaram na Justiça decisões tomadas por seus líderes religiosos.
Dentro das igrejas, qualquer medida é considerada soberana e inspirada por Deus. Fora delas, podem levar os seus representantes a serem enquadrados na lei civil, trabalhista e até criminal, independentemente da fé que professam.
"Entre os casos que ela pesquisou e guardou, o que mais chama a atenção é a de uma ex-pastora que, acusada de bruxaria, foi expulsa da igreja Metodista, e obteve indenização de R$ 27.000 na Justiça por danos morais".
Em cinco anos, a coleção de casos se avolumou, e Andrea passou a se dedicar ao assunto, tema de sua monografia na pós-graduação. "A minha luta é para que as igrejas, ainda que amparadas pelo direito de liberdade de culto, deixem de tomar decisões arbitrárias em nome de Deus", afirma.
Segundo ela, muitos líderes julgam os fiéis por desvios de conduta e expõem o 'pecado' ao público, o que cria um forte constrangimento a quem possui vínculos sociais muito fortes nessas igrejas.
Casos assim são comuns em templos como a Congregação Cristã no Brasil, cujo estatuto recomenda, por exemplo, que pessoas de sexo oposto não estabeleçam "relação de confiança" entre si. "Leituras estranhas" também não são recomendadas pelas normas, somente aquilo que está iserido na Bíblia.
"Existem casos de quem foi acusado de adultério e, para atestar inocência, enviou à igreja uma série de cartas, com firma reconhecida em cartório. Até a suposta amante chegou a escrever também para a igreja, dizendo que o rapaz era inocente. Mesmo assim ele foi condenado e agora contesta na Justiça
a decisão."
Para a advogada, conflitos dessa natureza só serão diminuídos quando as igrejas mudarem seus regimentos, tornando-os mais claros e garantindo aos freqüentadores o direito de serem ouvidos e se defender quando forem julgados em casos de desvio de conduta.
"O crescimento das igrejas foi acompanhado pelo aumento dos conflitos. Isso atinge a área do direito com o aumento das indenizações por danos morais, pessoais e até estéticos nas igrejas", relata.
Ainda segundo Andrea, a Justiça do Trabalho também vem sendo cada vez mais requisitada a manifestar-se acerca do vínculo trabalhista do pastor, obreiros, eclesiásticos.
"Há ainda processos criminais envolvendo membros das igrejas em crimes como injúria, difamação, escândalos de corrupção, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, entre outros delitos", finaliza.
Outro lado
O advogado da Congregação Cristã do Brasil, Paulo Sanches Campoi, afirma que, para exercer liderança na entidade, é necessário possuir comportamento ilibado.
O colaborador, que não é remunerado para exercer a função, não pode violar o estatuto da entidade e está sujeito a ser julgado por um conselho interno, formado pelos anciãos (espécies de pastores). Campoi nega, entretanto, que o julgado seja impedido de se defender diante dos líderes.
"O Conselho de anciães delibera e decide expulsá-la em caso de desvio e nós consideramos as decisões soberanas. Quem vai à Justiça contesta uma decisão divina", afirma o advogado.
Para ele, a constituição federal privilegia a liberdade de fé e, por esse motivo, o Estado não poderia julgar uma medida tomada nas igrejas.
"Há um desconforto quando a igreja vai ao banco dos réus. Quem vai à Justiça contra a entidade está, na verdade, contestando uma vontade de Deus também", argumenta.
Dentro das igrejas, qualquer medida é considerada soberana e inspirada por Deus. Fora delas, podem levar os seus representantes a serem enquadrados na lei civil, trabalhista e até criminal, independentemente da fé que professam.
"Entre os casos que ela pesquisou e guardou, o que mais chama a atenção é a de uma ex-pastora que, acusada de bruxaria, foi expulsa da igreja Metodista, e obteve indenização de R$ 27.000 na Justiça por danos morais".
Em cinco anos, a coleção de casos se avolumou, e Andrea passou a se dedicar ao assunto, tema de sua monografia na pós-graduação. "A minha luta é para que as igrejas, ainda que amparadas pelo direito de liberdade de culto, deixem de tomar decisões arbitrárias em nome de Deus", afirma.
Segundo ela, muitos líderes julgam os fiéis por desvios de conduta e expõem o 'pecado' ao público, o que cria um forte constrangimento a quem possui vínculos sociais muito fortes nessas igrejas.
Casos assim são comuns em templos como a Congregação Cristã no Brasil, cujo estatuto recomenda, por exemplo, que pessoas de sexo oposto não estabeleçam "relação de confiança" entre si. "Leituras estranhas" também não são recomendadas pelas normas, somente aquilo que está iserido na Bíblia.
"Existem casos de quem foi acusado de adultério e, para atestar inocência, enviou à igreja uma série de cartas, com firma reconhecida em cartório. Até a suposta amante chegou a escrever também para a igreja, dizendo que o rapaz era inocente. Mesmo assim ele foi condenado e agora contesta na Justiça
a decisão."
Púlpito da CCB com a inscrição "Em Nome do Senhor Jesus"** |
"O crescimento das igrejas foi acompanhado pelo aumento dos conflitos. Isso atinge a área do direito com o aumento das indenizações por danos morais, pessoais e até estéticos nas igrejas", relata.
Ainda segundo Andrea, a Justiça do Trabalho também vem sendo cada vez mais requisitada a manifestar-se acerca do vínculo trabalhista do pastor, obreiros, eclesiásticos.
"Há ainda processos criminais envolvendo membros das igrejas em crimes como injúria, difamação, escândalos de corrupção, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, entre outros delitos", finaliza.
Outro lado
O advogado da Congregação Cristã do Brasil, Paulo Sanches Campoi, afirma que, para exercer liderança na entidade, é necessário possuir comportamento ilibado.
O colaborador, que não é remunerado para exercer a função, não pode violar o estatuto da entidade e está sujeito a ser julgado por um conselho interno, formado pelos anciãos (espécies de pastores). Campoi nega, entretanto, que o julgado seja impedido de se defender diante dos líderes.
"O Conselho de anciães delibera e decide expulsá-la em caso de desvio e nós consideramos as decisões soberanas. Quem vai à Justiça contesta uma decisão divina", afirma o advogado.
Para ele, a constituição federal privilegia a liberdade de fé e, por esse motivo, o Estado não poderia julgar uma medida tomada nas igrejas.
"Há um desconforto quando a igreja vai ao banco dos réus. Quem vai à Justiça contra a entidade está, na verdade, contestando uma vontade de Deus também", argumenta.
Nota
** Na Congregação Cristã no Brasil existe a crença de que tudo o que é dito de cima do púlpito no momento da pregação é ditado pelo próprio Deus. É uma espécie de incorporação espiritual, onde a pessoa que ali está presente é apenas um meio (comumente chamado de "vaso" pelos fiéis) para que Deus transmita uma mensagem ou mensagens à igreja.