sábado, 17 de novembro de 2012

Uma vida teatral


Nas igrejas evangélicas, é predominante a idéia de que a homossexualidade é um pecado de morte. Um pecado tão mortal e tenebroso que a maioria dos gays cristãos prefere viver enclausurada dentro de uma aparente vida heterossexual, chegando até mesmo, em muitos dos casos, a contrair um casamento hétero, com direito a filhos e tudo mais. É como se a pessoa vivesse constantemente dentro de um teatro e sua vida comum fosse uma peça sem término nem fim. Quanto mais ele encena, mais o público, neste caso, a igreja, aplaude. 

Alguns rapazes crentes acabam encenando tão bem o papel que a igreja espera deles que se torna quase impossível deixar o palco para viver uma vida real. E quando digo vida real não quero dizer uma vida de promiscuidade. Sim, porque muitos gays crentes acham que se eles saírem do mundinho escondido que eles vivem e derem vazão aos seus desejos, acabarão se tornando “homens da vida”. De fato, isto acontece em muitos casos, tanto com aqueles que saem da igreja para viver o mundo GLBT na sua forma mais intensa, quanto com os que preferem ficar na igreja e viverem uma vida dupla, assumindo um comportamento homossexual clandestino e praticando sexo em aventuras perigosas. Mas não é este tipo de “vida real” à qual eu me refiro aqui, mas sim de uma vida honesta consigo e com aqueles que o cercam, podendo se relacionar (ainda que discretamente) com um homem que ame, sem usar meninas como esconderijo e escudo para sua orientação sexual, postando fotos com garotas diferentes de tempos em tempos para “pagar de hétero” no Facebook e em outras redes sociais. 

Há alguns anos conheci um certo homem chamado Tim*, casado e pai de quatro filhos. Tim era ministro em sua igreja, uma denominação americana muito semelhante à Congregação Cristã em seus usos, costumes e doutrina. Por muito tempo conversei com este homem sobre assuntos concernentes à doutrina cristã. Neste tempo eu vivia um duro conflito interior, onde eu já não agüentava mais esconder da minha família quem eu era de verdade. Precisava desabafar com alguém o que eu sentia: o conflito fé x homossexualidade. Encontrei no Tim uma pessoa confiável para compartilhar meu até então segredo guardado a sete chaves, afinal ele era um homem aparentemente íntegro, honesto, pai de família, evangélico e ministro espiritual. 



Após contar-lhe que há anos eu vivia um conflito devido a minha natureza gay, ele me confessou que, embora casado, pai de família e ministro cristão, ele também era homossexual. Eu fiquei um tanto assustado com sua revelação, pois não imaginava mesmo que ele fosse gay. Tim acabou me contanto que, quando jovem, buscou conselhos com um ancião de sua igreja sobre este assunto e o mesmo lhe disse que o casamento seria uma saída divina para sua homossexualidade. Algum tempo depois, Tim conheceu sua esposa Lindsay*, a qual ele disse amar verdadeiramente, e com quem ele teve 4 filhos. No entanto, ele continuava a sentir atração por homens e, a uma certa altura de sua vida conjugal, sua esposa acabou por descobrir sobre sua homossexualidade. Seu casamento entrou em crise e eles passaram a dormir em quartos separados. Por causa dos filhos não conseguiam se separar e Tim então passou a ter encontro amorosos com homens, com a ciência de sua esposa. 

Tim é um exemplo claro do tipo de “artista” que as igrejas evangélicas podem gerar entre seus fiéis homossexuais, artistas estes que desejam tão vorazmente permanecer no palco que abdicam de suas vidas reais, sem medir limites e conseqüências, para alcançarem a premiação prometida para aqueles que permanecerem “firmes e fiéis até o fim”.

*Nome fictício