Lei conhecida como Don't Ask, Don't Tell deixa de valer oficialmente, permitindo que gays nas Forças Armadas assumam opção sexual
Josh Seefried posa com seu livro na Filadélfia, EUA |
Agora pode ser dito: um proeminente defensor dos direitos homossexuais que usava o pseudônimo J. D. Smith é, na verdade, o primeiro tenente Josh Seefried, 25, um oficial ativo da Força Aérea. Às 0h01 desta terça-feira ele abandonou o pseudônimo, liberto da necessidade de ocultar sua orientação sexual, como milhares de outros integrantes no Exército americano.
"Sempre tive a sensação de que estava mentindo e que não poderia ser parte da família militar", disse Seefried, que ajudou a fundar um grupo secreto de 4 mil gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros membros ativos das Forças Armadas. "Agora sinto que posso conhecer meus colegas de novo. Quando vou a uma festa de Natal, posso realmente levar a pessoa com quem tenho um relacionamento. É um grande alívio."
Após 18 anos, a lei conhecida como “Don’t Ask, Don’t Tell” (“não pergunte, não conte”) terminou oficialmente à meia-noite e com ela as dispensas que retiraram mais de 13 mil homens e mulheres das Forças Armadas sob a proibição do serviço de soldados abertamente homossexuais.
Para marcar a mudança histórica, grupos de direitos homossexuais estão planejando celebrações em todo o país, enquanto o secretário de Defesa Leon E. Panetta e o almirante Mike Mullen, presidente do Joint Chiefs of Staff, irão inaugurar a nova era em uma coletiva de imprensa do Pentágono.
O outro lado também será ouvido: Elaine Donnelly, uma adversária de longa data da permissão de que gays e lésbicas sirvam abertamente nas Forças Armadas, já afirmou que "a partir de terça-feira o comandante chefe será responsável pelas forças militares à lá São Francisco que criou”. Dois republicanos do Comitê dos Serviços Armados da Câmara – o presidente, deputado Howard P. McKeon, da Califórnia, e o representante Joe Wilson, da Carolina do Sul – pediram ao Pentágono que atrasasse a nova política, dizendo que os comandantes em campo não estão prontos. Mas o Pentágono seguiu em frente.
Ninguém sabe quantos homossexuais ativos nas forças armadas irão declarar sua opção sexual nesta terça-feira, embora nem os defensores dos direitos dos homossexuais, nem oficiais do Pentágono estejam esperando grandes números, pelo menos não inicialmente.
"O ponto chave é que já não importa mais", disse Doug Wilson, um porta-voz do Pentágono. "Sentimos que o dia será como qualquer outro."
O general Carter Ham F., que foi co-diretor de um estudo do Pentágono sobre a revogação da medida, disse na semana passada esperar que o efeito seja "sem grandes consequências".
Esse não é o caso de Seefried, um analista de orçamento da Base McGuire-Dix-Lakehurst, em Nova Jersey, e estudante de pós-graduação da Academia da Força Aérea que teve que trabalhar nas sombras no Pentágono em um esforço de 18 meses para mudar a política.
Segundo Seefried, no final de 2009 um instrutor de civis em um curso de formação técnica descobriu através de sites de redes sociais que seu tenente era homossexual e começou a perturbá-lo. No início de 2010, Seefried relatou o caso ao instrutor e teve sua homossexualidade exposta. Sob a política "Don’t Ask, Don’t Tell", Seefried foi temporariamente afastado de seu trabalho.Na mesma época, Robert M. Gates, então secretário americano de Defesa, mudou as regras para que os membros do serviço não pudessem ser dispensados pela revelação de sua homossexualidade feita por terceiros. "Isso salvou a minha carreira", disse Seefried.
De volta ao trabalho, Seefried começou a construir o que se tornou o OutServe, um grupo de militares gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros na ativa ligados por grupos secretos no Facebook e listas de email. Em abril de 2010, ele falou pela primeira vez publicamente contra o "Don’t Ask, Don’t Tell", na Universidade Estadual de Nova York, em Oswego, mas sob um pseudônimo que ele criou às pressas para a ocasião – J. D. (por suas iniciais, Josh David) e Smith, o nome de solteira de sua mãe. Ele pediu ao grupo de cerca de 70 alunos e administradores em Oswego que não tirassem fotos dele ou o denunciassem na internet. Ninguém o fez.
"Era um risco que estava disposto a assumir", disse. "Por causa disso, poderia ter sido preso muitas vezes no ano passado. Mas nunca fui.”
Quando Seefried aparecia na televisão, seu rosto era sempre encoberto, embora ele não disfarçasse a voz. "Achava que (mudar a voz) era algo muito assustador", disse. “Queria parecer o mais humano possível."
Então, no último verão, algo surpreendente aconteceu – o Pentágono estendeu a mão a ele. O departamento estava realizando um amplo estudo dos efeitos da revogação do “Don’t Ask, Don’t Tell”, mas não sabia como entrevistar membros homossexuais na ativa sem ter de dispensá-los por causa da lei. Trabalhando através de uma ligação civil com a OutServe, Seefried deu ao Pentágono e à RAND Corp – responsável por realizar o levantamento dos membros do serviço – acesso ao seu banco de dados.
Quando o estudo final foi apresentado ao Senado, muitas das citações usadas nas audiências eram de membros participantes do OutServe.
Em dezembro ele foi convidado à Casa Branca quando o presidente Barack Obama assinou o projeto de lei que revogou o “Don’t Ask, Don’t Tell”. "Fui até lá como Josh", disse. "Você não pode ir a esses eventos com um pseudônimo".
Embora outros defensores dos direitos dos homossexuais soubessem quem ele realmente era, o Departamento de Defesa não sabia – ou pelo menos não queria saber.
Nesta terça-feira, o tenente irá aparecer em uma entrevista coletiva no Capitólio ao lado de senadores que pressionaram pela revogação. Em outubro vem a publicação de um livro que ele editou "Our Time: Breaking the Silence of ‘Don’t Ask, Don’t Tell'” (A Nossa Hora: O Fim do Silêncio do ‘Não Pergunte, Não Conte’, em tradução livre).
Seefried disse estar feliz em dizer adeus a J. D. Smith. "Não há um dia em que você não pense no ‘Don’t Ask, Don’t Tell’ quando você vive sob esta política", disse. "Ela consome seu pensamento, consome o seu futuro, por causa do medo de ser pego. Nunca pensei que veria a revogação da política durante a minha carreira militar".
Por Elisabeth Bumiller
Fonte: www.ultimosegundo.ig.com.br
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