Jamey Rodemeyer (14 anos) se suicidou após o vídeo. Adolescente era constantemente vítima de bullying por parecer ser gay
Uma classe vazia atormenta alunos de uma escola estadual de Imbé, litoral do Rio Grande do Sul. Quem convivia com a aluna mais popular do colégio hoje se angustia com a ausência. A menina, de 15 anos, foi encontrada morta em seu quarto em julho deste ano. A conclusão da perícia: suicídio.
A 700 km da cidade gaúcha, uma escola particular de Curitiba (PR) sofre com a mesma ferida, aberta dois anos atrás, quando uma estudante de 16 anos tirou a própria vida dentro do ambiente escolar. Em ambas as instituições, o procedimento oficial foi o mesmo: suspensão das aulas por luto no dia seguinte e, depois, ninguém toca mais no assunto.
Essa atitude dos colégios, contudo, tem que mudar. É o que defende a psicóloga clínica Célia Maria Ferreira da Silva Teixeira, que no seu doutorado em educação defendeu a tese A Escola Como Espaço de Prevenção ao Suicídio de Adolescentes. Segundo ela, mais do que o tema morte, o suicídio é um tabu para todos os setores da sociedade, inclusive nas escolas, que deveriam ser parceiras nesse combate. "Pelo contrário, as escolas ignoram", diz.
O suicídio é a terceira causa que mais mata jovens no Brasil, perdendo somente para drogas e acidente de trânsito. Ao lado da velhice, a juventude é a fase da vida de maior ocorrência. Em 2009, segundo dados do Ministério da Saúde, 2.775 pessoas de 15 a 29 anos foram responsáveis pela própria morte. Uma preocupante marca que fez com que o dia 10 de setembro fosse declarado Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio.
Para os colegas das duas adolescentes citadas no início da reportagem, os números não dão conta de sentimentos como medo, raiva e culpa que afloram no meio. Célia explica que a maioria das instituições optam por "não tocar mais no assunto" pelo simples fato de não saber como lidar. "O certo seria conversar com os estudantes sobre o ocorrido, e deixar que eles falem o que pensam, o que sentem", diz. "Não falar sobre isso em sala de aula faz com que o local de desabafo seja no recreio, sem acompanhamento pedagógico", completa.
Professores precisam estar atentos a sinais A psicóloga defende que as escolas estejam preparadas para "remediar", mas acima de tudo para "prevenir" casos de suicídio. Para ela, sendo o colégio uma instituição voltada à formação de seres humanos, um dos papéis do professor deveria ser a capacidade de identificar alunos que apresentam fatores de risco. Ela explica que os sinais de alerta podem vir com frases como "não aguento mais" ou mesmo as mais diretas, como "quero me matar". O afastamento dos amigos, o baixo rendimento escolar e a melancolia são outros indicadores.
A psicóloga afirma que é preciso estar atento à tendência, ao pensamento e a tentativas suicidas. "Os pensamentos antecedem a ação. Nesse momento, a pessoa emite sinais para os que estão por perto. É um pedido de ajuda", diz.
Ao trabalhar focando a prevenção, os professores não precisam falar sobre o suicídio diretamente, diz a psicóloga, mas podem criar um espaço para que os jovens falem sobre os seus sentimentos. São nesses momentos, explica, que os fatores de risco se apresentam. Além disso, o fato de o aluno ver na escola um local de compreensão e carinho pode evitar o ato. "Muitas vezes este jovem está estressado pela cobrança escolar, com problemas familiares e sofrendo discriminação dos colegas. E além de tudo isso, não tem lugar nenhum para extravasar a sua angústia. Os colégios deveriam proporcionar isso para ele", defende.
Identificados os sinais de risco, passa-se para uma fase ainda mais desafiadora: o que fazer a seguir? Para Célia, que ministra aulas para orientar profissionais da saúde e da educação sobre o tema e é chamada por escolas quando acontecem casos de suicídio, a maioria dos profissionais sofre de desinformação, mas principalmente apresenta uma postura de descaso.
Em uma das reuniões com professores de um adolescente que se matou, ao explicar os sinais de risco, ouviu dos mesmos que eles haviam percebido tais comportamentos no aluno, mas que não tomaram nenhuma atitude. "Não é por mal. O que acontece é que os adultos tendem a olhar o adolescente como um dramático, um rebelde sem causa. Então, qualquer comentário suicida é visto como puro drama", diz, completando que os jovens têm ainda outra característica mais crucial: a impulsividade. ¿É por isso que o ato de tirar a própria vida acaba sendo recorrente nesta faixa etária", observa.
Junto à impulsividade estão o que se chama de "três D": desesperança, desamparo e depressão. Na adolescência, esses sentimentos são ocasionados, na maioria das vezes, por problemas familiares, falta de amigos, não conhecimento de si próprio e extrema exigência de desempenho. "Eles têm que ser bonitos, populares, inteligentes, queridos e constantemente felizes", explica. "A escola deveria ser o porto seguro do estudante, mas ela está sendo outro fator de risco. Lá o aluno encontra cobrança, falta de compreensão e o bullying", conclui a psicóloga.
Políticas antibullying nas escolas diminuem casos
Os pesquisadores entrevistaram mais de 30 mil alunos de High School, o Ensino Médio norte-americano, em 11 diferentes municípios no estado do Oregon (EUA). Eles concluíram que cerca de 20% dos adolescentes gays ou bissexuais haviam realizado tentativas suicidas um ano antes da pesquisa. Entre os heterossexuais, o número cai para 4%.
Ao analisar o ambiente escolar em que estes jovens estão inseridos, os pesquisadores detectaram que a presença de políticas antidiscriminação na sala de aula diminui em 25% a probabilidade de um homossexual cometer suicídio. O fato também tem consequências nos heterossexuais, que passam a ter 9% menos chances de tirar a própria vida.
"Quando a comunidade oferece apoio ao jovem gay, e as escolas adotam políticas antidiscriminação que protegem esses adolescentes especificamente, o risco de tentativa de suicídio cai para todos os jovens, especialmente para os GLB", disse Hatzenbueheler ao site LiveScience.
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